terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

apertando parafusos



Apertando parafusos

De que adianta tirar a poeira
se passados os dias
mais uma fina camada sedimenta

E o eterno movimento de dobrar os lençóis
ao final de cada noite mal dormida
Posto que outra sequência de sono
chega para desmanchar o leito intacto

E a eterna arrumação de gavetas
buscando a ordem sublime de ter tudo no lugar
Se com o tempo recebemos mais material para abarrotá-las

Extrapolando o pensamento existencial
das eternas tarefas repetidas
o que nos sobraria, se nada tem sentido,
visto que somos realizadores repetitivos

O sentido, então, torna-se o eterno construir
E a felicidade a brecha entre uma tarefa concluída
e a euforia e esperança de um novo projeto
que sempre está por nascer

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

De onde vem a poesia?


A dança da poesia

A poesia não vem da dor
Afirmei outro dia
E depois me peguei a pensar no assunto
E como desafio
Empunhei a pena como espada
E nada...

Então fui colher material
Li as obras de meus mestres favoritos
Deitei-me no macio do tapete azul turquesa
Pedalei durante horas pela paisagem do Rio
E nada me transbordava

Segui em frente
E aceitei a rotina e meu vazio
Mentalizei um camelo
Numa tentativa desesperada de paralisar as sinapses
E as cobranças de uma mente em ponto de histeria

Dormi com relutância
Depois de revirar a cama
E me desprendi...

Ao nascer do dia 
Fui arrebatada pela surpresa
Ela estava ali
Pronta, acabada, irretocável

Chegou na hora certa
Quando me desliguei do mundo
E deixei que ela sedimentasse dentro de mim

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

ansiedade



ansiedade

que chegue logo o dia
em que a timidez sedimente
que o olhar transcendente
traduza-se em linguagem

e que da razão e cautela
ganhe espaço o impulso
aquele salto majestoso
sem barreiras, sem cancelas

que a vontade de permanecer
fuja do clichê "antes que o dia amanheça"
e que a vontade seja apenas vontade
que venha em suas suaves ondas
e nos leve cúmplices, confiantes
certos de que o sentimento
já encontrou o seu lugar

sexta-feira, 25 de maio de 2012

Dez mulheres e eu



Um livro lido pode ser uma grande viagem interior. Acredito muito nisto.

Gosto de afirmar que sou uma pessoa de muita sorte pelos encontros que a vida me proporciona. Passam sempre pelo meu caminho pessoas que me deixam algo. E sinto que com isso, deixo algo meu também para elas. Sem forçar, sem planejar, a vida nos coloca diante de trocas muito felizes.

E assim, nestes caminhos da vida, fui parar em Santiago do Chile. E me encantei com a cidade e seu ritmo, com o peso do ar e a arquitetura que me rodeava. Antes de pegar o avião para esta nova aventura, levei dois nomes no meu caderno de viagem. Conheci um amigo de uma amiga, brasileiro, que estava vivendo no Chile. Um presente, foi como definimos o nosso encontro e o início de uma amizade, selada com pisco e muitas conversas em português.

A segunda pessoa vinha da infância. Amiga da minha mãe, chilena, que conviveu conosco nos meus primeiros anos. A memória me pregou uma peça e não me fazia ter lembrança alguma de seu rosto. Mas nos encontramos, e pra mim era como estar em casa, com três anos, brincando com suas filhas e me sentindo feliz e tranquila.

Em meio a tantas conversas, recebi de presente um livro, que segundo ela ia ser muito importante pra mim. Sabia que aquela leitura ia lançar luz sobre algum ponto específico ou, simplesmente, vinha para abrir ainda mais o meu campo de visão sobre o mundo e sobre o material de que sou feita.

Deixo aqui a passagem que mereceu meu grifo.


"A ella le encantaba hablar mal de sí misma y cuenta su historia como si fuera una tragedia, cuando, en el fondo, lo ha pasado tan rebién y su vida es tan envidiable desde todo punto de vista que supongo que lo hace para que le perdonen su propria fortuna. Exagera sus defectos para que no se noten sus talentos. (...) Soy un asco, un asco, dice mirándose al espejo, y el único reflejo que a mí me llega es el de una mujer estupenda, con un precioso pelo rubio grueso y abundante y con piernas largas, largas. Cuando la ayudo a sacarse las botas para depilarse, toco el cuero, parece terciopelo de tan suave y fino. Entonces yo me digo: quiere que la perdone, que la perdone por ser tan inteligente, tan regia, tan amada y más en cima rica, por eso me dice que es un asco.  Pero en vez de envidiarla yo la quiero. Es una persona generosa porque conoce lo privilegiada que es y, sin saber mucho cómo, desea compartir sus privilegios. Todo alrededor de ella tiene algo de etéreo, como si la envolvieran unos tules celestes que la protegen del mal y que hacen que, al encontrárselo, le dé la espalda y se niegue a partir de la jugada. (...) Ustedes dirán por qué mierda yo me identifico con una persona como ella. Es que tenemos la misma vocación para la felicidad." (Marcela Serrano. "Diez Mujeres")

No céu com diamantes negros



As cores na fotografia não tem saturação
São monocromáticas, azuis, pálidas, cinzas
Pessoas que viram números
Números que viram metas
Objetivos de vida

Uma sala cheia em torno de uma autoridade
Que direciona como todos se movimentarão
Para gerar mais dinheiro
Para ficar acumulado nas mãos
De ainda menor número de pessoas

Choca ver a aceitação de modelos
Por que aceitamos?
Quando e como deixamos de pensar?

quinta-feira, 12 de abril de 2012

admiradora secreta



A lua está minguando
E eu me desmilinguindo
No som às vezes macio
Que imagino ao pé do meu ouvido

Imagino-te em algumas cenas
Inexistentes e consistentes
Você me deixa confusa

Vou ao banheiro
Tranco-me no meu sufoco
E imagino suas mãos pelas fendas
Pelas rendas
Buscando detalhes

E depois vem uma mesa
Com cerveja e incerteza
Uma vontade de não olhar
Em meio a conversas fugidias
Pra que você não possa me desvendar

Sou aquela que te deseja
Com uma ardência secreta
Que não pode
Que não vai se entregar

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

reminiscências de uma máquina de lavar



Separo tons de cores
Pego as claras, peça por peça
Talvez buscando clareza
Talvez evocando lembranças
Reminiscências de momentos
De trajetória, de vida vivida
De quem quer contar história

E passo para a fase da verificação
A mão corre pelo bolso
Agarro-me a um papel
Quem sabe seja bilhete?
Quem sabe seja nota?

O mistério se desvenda com o desdobramento do papel
Nele está escrito "água"
Líquido não bebido por motivos de força maior
Pra que no momento não houvesse transparência e clareza
Ainda não era momento
Mas que no ato da descoberta ganhou significado
E foi lavado do físico e dos pensamentos...
... com água e sabão